Por Manuel Monteiro,
poeta, escritor, alfarrabista
Foi camponês, operário, deputado (do lado certo da vida), vendedor de detergentes, dono de tasquinha na Bica. Amigo dos amigos (tenho orgulho na sua amizade). Fraternal. Radical. Recusa-se a desistir de lutar.
70 ANOS
Como água que corre no rio indomável da vida
Como pedra que rola pela encosta e deixou marcas
Como pássaro que levanta vôo e vê mais longe
Como fogo que incendeia e se extingue em brasa
Como espada em fúria na carne cravada
Como tudo e como nada
Como o coração que se dá sem limites
Como menino que acordou em estranha terra
Como soldado infeliz em nefanda guerra
Como bandeira deixada na beira da estrada
Como da morte o grito da vida se elevou na batalha
Como tudo e como nada
Como às vezes acordar e desejar partir
Como olhar a luz e caminhar pra nascente
Como gritar contra o corpo que parece ceder
Como sentir cá dentro uma força maior
Como escrever o poema no corpo que passa
Como sentir quando se cai que alguém nos abraça
Como recordar a terra que de nós se esqueceu
Como amar quem se esquece e está sempre ausente
Como acalentar o que renasce e sepultar quem fenece
Como deixar escrito os secretos pensamentos
Como beber no total todos os momentos
Como viver no outono a desejada primavera
Como olhar a neblina e divisar o infinito
Como viver o que escrevemos e não o que estava escrito